Estava trancada comigo no quarto com o som alto, para que ninguém ouvisse meus pensamentos. Parecia mais uma briga. E eu estava perdendo, e eu mesma estava me vencendo. Me calei, antes que ela resolvesse fazer. Intediada, me deixei fechar os olhos duas, ou três vezes até que acabei pegando no sono. Não demorou muito para que eu acordasse. Mas acordei num lugar diferente: num bosque escuro, denso, que me fazia os dedos ficarem dormentes, tão que parecia estar levando um choque.
A curiosidade humana me fez dar quatro passos, e foi o suficiente para que caísse numa depressão profunda, mais fria e mais escura. Por sorte não me machuquei. Me levantei, e, ainda meio tonta pela queda, mal vi uma porta entreaberta, e claro, a curiosidade. Abri a porta, e uma luz mais forte me fez fechar um pouco a vista. Era uma sala rústica, com um sofá estampando flores e moldado em ouro-velho, a decoração me lembrou um pouco a Itália. Havia também uma moldura na parede, mas não havia nenhuma tela ou foto nela. Investiguei a casa, cautelosamente para caso houvesse alguém, e não percebi movimento algum. Essa falta me fazia presença, mas sentei e esperei, talvez, alguma coisa que estivesse à minha espera.
A espera foi grande, e cinco minutos depois me surge o espírito de Dante - bem, eu vi plenamente o Dante naquela imagem. Fascinei-me de uma forma inexplicável, e quase sem fala me apresentei, e ele apenas consentiu com a cabeça. Também com a cabeça me indicou a moldura e um espelho suspenso na parede. Olhei-me naquele reflexo com bordas corroídas pelo tempo, e quando voltei ao Dante, ele já não estava lá. Mas tinha um bilhete pregado no espelho, que no lado de fora dizia: "Não leia, a não ser que queira saber quem é, na moldura". Bem, quem estaria na moldura? Eu não via ninguém e esse lugar começava a me sufocar.
Abria todas as portas, mas sempre saia de novo na sala. Sentei naquele sofá, liguei a tv, e fiquei assistindo ao maravilhoso mundo do chiado. Enfim, sem resistir abri o bilhete. Mas ele estava em branco, e minha curiosidade não fez mais que aumentar. Seguindo, olhei naquele espelho por muito tempo, e só via a mim. Esse reflexo me fez refletir quem era ela. Bem, ela era eu: tinha sonhos, virtudes, era falha. Mas no fim ela não era maior que nada, menos ainda ninguém. Era pouco, era quase nada, era insuficientemente boa e diferente. Era vazia, era uma mentira ou se preferir: era uma verdade inventada. Não era o vento, não era a chuva, não vivia num campo eterno de morangos, não era nada. Era o nada. Era o vazio da moldura, o velho do ouro, o chiado sem imagem da tv, a mesma saída das saídas. Era o branco do papel. Era a inutilidade do pensamento, era a referência consigo mesma, era a solidão. Era eu, erámos nós: eu e eu mesma.
E aqui estou eu, nessa depressão, numa sala à Italiana, sem saída, e quase sem ar. Dante, me tire daqui? Me leve de volta à casa, eu quero ser feliz mesmo com minha invenção e com os campos de morango da música, eu sou pouco para pedir mais, então me leve. Me ouvi dizer pra abrir a porta. Abri: mais um clarão de luz. Estava em casa, trancada no quarto. Onde estávamos?
Mas meu espírito não é só meu, sabe-se lá onde estarei na próxima vez que fechar os olhos. Talvez caia num sonho, ou de novo numa realidade metafórica com o espírito de Dante, num cenário Italiano. Espero que na próxima eu descubra o que é um campo eterno de morangos, e ter uma alma e uma voz minha, e só.