segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

NO CAMINHO

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Só não quero ser gente. Não quero verdade. Verdade cansa quando não mata. As verdades inventadas não, elas te dão vida ou não deixa que morra. Uso-as se não consigo morrer.
Ser coisa. Preciso ser coisa. Não espelho. Coisa opaca. Não gente. Opaca.
Eis me aqui. Você estava comigo. Estávamos em solidão calada. Eu tinha sua ausência e você a minha. Solidão calada. Não somos um só. Somos um par de ímpares. Daí a solidão. Ninguém é ninguém. Eu sou eu. Você é você. Eu sou nada. Você sempre.
Palavras são só palavras. Sentido ou não sentido é o que importa nelas. O que geralmente não é expresso claramente. Ou raramente é expresso. São palavras secas. 
Eu preciso de drogas. Aguarda-me e estarei contigo nas palavras em breve. Volto e trago comigo dúvidas: onde estou quando não estou consciente? Não falo de sono, sim de distração. Já me peguei viajando no desejo, na vontade, no tempo. Mas onde estou? que lugar é esse que habita as mentes desastradas que, vira e mexe, tropeçam e caem? Ah se soubesse. Eu desejo esses fragmentos de verdade que não sei onde se agregam. Queria ser dona deles. Não dona da verdade. Dos fragmentos dela. Queria também ser mãe do mundo. Eu seria boa, mesmo a maioria se achar bons líderes. Não me lidero, mas o mundo fora de mim… também não. Mas gostaria de ser sua mãe. Daria sempre a mão. Fosse para segurar-lhe, fosse para lhe dar a mão na cara. Sou doce. Seca e doce. Sou o açúcar. Não mel. Só preciso ser aquecida e logo viro caramelo, caramelo doce e líquido. Quentura. Água.
Eu queria voar, ser um ser bicho que voa. Pássaro não. Borboleta. A bicha é graciosamente humilde: esconde a beleza dentro de asas marrons e despercebidas. O resto do mundo (des)anda por ele, busca a beleza mais inútil e elas não. Elas as têm mas não se ostentam nelas. É beleza pura, de verdade. Simples. A vida é simples.
Estava pensando em distância. Ela, confesso que agora me preocupa. Não distância física, mas a que mata sem que percebamos. Essa sim. Ambas têm uma relação, mas cada uma tem sua independência. Mata. A eterna. 'eu me mato de saudades se demorar'. Então me venha assim como vou a você em cada palavra que lê, em cada vento de abrir janela. Sinta-me daí que daqui eu tento o mesmo.
Mas não me esqueça. Não quero ser só o passado que as próximas terão ciúmes. Faça-me já. Já imediato. Futuro. Que morra desejo, vontade. Mesmo que nasçamos da própria morte. Aceito.
Talvez esse desespero me faça correr aos braços do Deus. Os braços que me acolhiam quando tinha medo da noite e suas assombrações. Hoje eu não recorro a Ele por isso. Talvez por desespero, mas não por medo da noite. Eu sou seu próprio escuro.
Querido, eu sei que percebeu. Não somos os mesmos, tampouco somos euevocê. Não como as coisas plenas. Como o mundo: falho e (ter)remoto ao que é o importante. O que me importa, de verdade. Não verdade, não mundo. Mas o dentro-das-coisas. Da gente. Gente. Gente. O que somos (agora)? O que nos tornamos? não me importa o porquê de termos chegado aqui. Estamos aqui. Investigar o passado não é necessariamente uma forma de deduzir o futuro. O imediato é nosso, e vamos torná-lo isso. Estamos ausentes um do outro. Eu sinto. E não duvido que sinta. Sabe, eu quero ir além do que nos foi dado, e quero estar nele. Em você. E você em mim. Chega de solidão, verdade. Gente ou coisa. A vida é simples. Sejamos vida. Não viver, ser. 
Vamos ser um pouco de mim e você, ou melhor: um. Euevocê nos tem mentido. Eu estou confusa. Compreende-me?
Euevocê. Verdade. Solidão. Coisa. Gente. Vida. Ser vida.
Eu e você. Um. 
Sejamos simples. Sejamos um. Sejamos vida. Teremos paz. Juntos. Eu e você.
Eu sei que não hei de morrer sem você. Fazemo-nos necessário, não somos água de ninguém. Sem você eu vou estar viva. E você também, por mais que me doa saber que sua recuperação seria mais rápida. As coisas funcionam para você. Mas eu não funciono para as coisas como deveria. Não tenho regras, não as respeito plenamente. Assim é minha natureza. Não tenho condições para ser gente. Não questiono-me a natureza assim como a própria natureza se priva da curiosidade. Ela é simples. É perfeita. Assim como as coisas. São plenas e perfeitas. São misteriosas. E se perguntar para quê? Sejamos natureza, então. Sejamos vida. Sejamos os dois. Sejamos um.
Sejamos eu e você. Plenos. Perfeitos. Sem coisa, natureza. Amor.
Sejamos tudo em nada. Vida. Natureza. Paz.
Eu e você. Um."

Versão resumida de No Caminho, por B. Estiano 

Um comentário:

  1. " Somos um par de ímpares."

    Adorei isso! Texto maravilhoso!!!

    Beijos e um Feliz Ano Novo pra Ti

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