terça-feira, 30 de novembro de 2010

Aleatório


O que duas almas distintas estariam fazendo aqui se não para o divertimento alheio? Mas segure suas calças, e eu estou segurando meu peito frio com minhas mãos quentes, mas não há calor que me aqueça. Sou um cadáver por não viver, suas palavras saem por um ouvido e morrem em outra boca. Acredite que em minha total frieza não incomodo com o meu corpo sem cor. Basta aparentar normalidade, uma farsa real. Quem não pode viver não precisa ser basicamente puro ou inocente, sua tranquilidade perturba o singelo crime por não me importar com ninguém a não com o peito que congela.
As lendas e os heróis morreram para serem esquecidos e a verdade prevalecer. A verdade é um ser desdentado e pobre que nos determina. E a mentira é a verdade inventada e ilusória que nos mantêm vivos perante nós mesmos. O sabor de ferro escarlate em minha boca é mania, e o véu das estrelas me cobrem de um efeito cocaína. Ah, doce mentira. Seria mais valioso mentir por culpa do outro, por sua culpa. Nem me olhe assim, é a mais pura verdade. A exaustão é a discórdia deixada pelo dessentir de seus venenos da mentira repentina, ao contrário disso, prefiro não comentar os efeitos colaterais que me causou. Prevalece aquele cuja verdade esconde e não a deixa escapar em meras palavras tolas, afinal já garanti a minha vitória.
O calor das minhas palavras me arde em (des)amor descompassado e me desanda no inferno que há em mim. Meus seres se mesclam num só passo meu e minha alma se transtorna num passo de rock. A agressividade me contagia e meu coração de volta bate. Meu quente sangue dança minha morte e de novo me faço viva, humana. Assim me considero, exausta da morte moral, mas retomei a vida sem males ou até mesmo “demônios” atrás de mim. Não me revolto a favor disso, apesar de sucessivas ordens em seu benefício. Disponho-te tanta honestidade avulsa e paro de pensar em andar descalça entre as ruas do prazer, opinadas por várias vezes em vozes invisíveis. Entre o céu e a terra fervente existe algo que favorece o nada: eu.



B. Estiano e Andressa Souza


Dos seus sentimentos ao meu, das nossas palavras,
sinceramente grata.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Primordial


Num bar. Ei, duas vodkas, disse. E pra mim o mesmo, dose dupla, por favor. Não era dia ruim, mas só queria me afogar em mágoas ilusórias. Tocava “Anna (Go To Him)” e as luzes davam um ar de filme em preto em branco. Era lindo e meu coração explodia mais forte do que a dor de cabeça do dia seguinte. Estava livre, meus pés flutuavam e minha mente dançava aquele flashback. Um sonho, e uma hora eu tive que acordar.
Sabe, eu queria ter um remédio que me deixasse constantemente feliz. Mas constante mesmo é a insatisfação humana. É inerente. Minha cede por felicidade um dia se tornaria inexaurível, então deixo como está. Sofrimento às vezes avisa. Atribuí-me a capacidade de ouvir a infelicidade já que ela não se entrega, ela é certa e coerente. Os heróis vão tão cedo e os poetas são eternos. E eles me visitam, sempre me trazem uma coroa de flores e asas. Dão-me uma caneta e um papel. E a folha fica em branco.
Eu viajei na minha transcendência e conversei com Deva. Jai Guru. Meditei no paraíso e os poetas estavam cegos pela beleza das palavras. O paraíso era vazio – ele foi inventado– mas era ainda assim belo e simples. Era tão suficiente. Jai Guru, Deva. Contava-me maravilhas que a ignorância exploratória do ser humano se limitava a descobrir. Explorei cada ser de mim e eu estou – ser é uma questão de estado, querida– estou bem agora. Deva, estava na hora de acordar. Dor de cabeça...  

Sombras do Passado



Sentados à mesa, um copo de cerveja e uma pelúcia. Pai me dizia da natureza, do passado e do futuro. Era mais ou menos:
– Sabe, anjo, o passado assombra as pessoas. E por mais que você saia dele ele estará atrás de você e você o verá constantemente.
– Eu imagino, eu dizia para não dar continuidade, mas ele continuou.
– Sabe, o mundo é maldito. Eu só faço te proteger, não me condene. Eu condenei meu pai. Esqueci do passado dele que o assombrava, e ele me assombra. Eu sou, nós somos – ele corrigiu– a sombra dos nossos pais. Arrependimento nos condena por apontar. E o mundo é disso: acusações, injustiças e maldade. Em poucos você vai encontrar pura sinceridade e se encontrar saiba cultivar, mas não se dê tão fácil. O mundo sabe mentir, e ele fará, e quando menos esperar ele estará te dando uma facada nas costas por muito pouco ou nada. E você não se curvará a essa “política de sobrevivência”, mas terá o teu todos os dias, acredite.
Anjo, o mundo te engolirá viva. Você será uma isca num mar de aproveitadores e se puderem, ah, eles te usarão. Saiba não dar essa oportunidade. Eles te farão fraca pra se sentirem fortes, e você, você será forte por si mesma, sem sujar suas mãos, sem atropelar ninguém. Eles tentarão matar seu espírito por eles mesmos não terem. O mundo está cheio de ódio e fanatismo e fome. Eles tentarão te engolir, mas você será grande demais para eles.
Vendo aquela flor? Ela não tem maldade. A vida dela é tão simples e a maldade é grande e complexa demais. Por isso tamanha magnitude e nossa admiração. Seja uma flor, pense uma flor. Não tenha pretensão, o mundo tem de sobra. Não se sirva esperando reciprocidade. O mundo só te quer pelas costas. Eles tentarão te escravizar e você não será. Esse mundo é maldito. Eles são fracos de espírito e não te convencerão, me promete? Será uma flor.
– Eu sou sua sombra, pai...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Hora de Ir



Ela era bem vinda, e eu quero que vá. Sei lidar muito melhor com aquele raciocínio gélido, aquele pensamento eólico e o coração quente. Mas anda sendo tudo a mesma coisa: paz e felicidade. E o estrago? ele está alternando outra vida. Ah, como eu te almejava. Mas se mata de amor. E eu estou morrendo a cada passo da arei na ampulheta. E aquelas águas dançando no gramado verdinho, aquele cheiro de terra molhada, ah. Saudade do seu sorriso cínico de fim de semana.
E a mesmice continua a mesma. Eu mudei, mas quero ser de volta. Voltar à melancolia comportada e a felicidade moderada e necessária. Eu a tenho, mas não faço bom uso, ela é uma doença. Ela se faz doença. Quero uma dose disso para afogar-me e morrer no Nunca. Eu, Lucy e os diamantes, todos numa taça de cristal servidos de bandeja a quem quiser ser feliz. Eu não suporto, não é pra mim. Eu quero mais, eu quero conhecer os males e as donzelas. A historinha de ninar criança que não entende o que você diz, que se entrega de cansaço. Eu sou falha e me entreguei, mas ela não se vai.
Eu quero o necessário, o Nunca e os diamantes. Sabe, eu queria o passado, eu queria ser filha do vento, eu queria perfeição. Mais que o necessário é pedir demais, dizia. Mas meu pensamento eólico me levou de Teco-Teco para bem longe e minha mente nunca mais terá a mesma expansão. Não falo de barquinhos de papel e bola, falo de um ser imutável, constante. Que eu volte a ser. Já basta do (des)necessário. Larga disso, digo, ela não é para você. Ah, felicidade...

sábado, 13 de novembro de 2010

Céu Mexicano


Era azul e límpido, um bom cenário para amar, ser, morrer. E eu morri ali mesmo com as crianças brincando de roda com trompetes no fundo. E eu morri com elas me olhando e sopros musicais nos meus ouvidos. Precisei de uma facada para me entregar, e lá estava ela: um guarda-roupas vazio, um bilhete e mais uma decepção. Era eu ou o mundo estava mais bonito só para me dizer o quão estava miserável?, sem contar a bela meninice bisbilhotando por pura curiosidade. E mais sopros – esses me levaram para longe, e nunca mais voltei.
 Ainda morta fui buscar o mundo ainda com esperança de encontrar o elixir da vida. Retornar para o berço de La Llorona seria suicídio de um corpo morto. Eu queria saber o sabor de Copacabana, mas era muita beleza. E digo-lhe de passagem que não sou tal merecedora de nenhum pôr do sol deslumbrante. Não merecia sequer de novo o céu mexicano – não que seja pouco, era azul e límpido nas minhas lembranças. A tempestade era individual, e aquele lugar me paira e me traz ventos de nostalgia mistos de revolta e infelicidade. Eu era simplesmente feliz. E ponto.
O que aconteceu? ­– você só disse que queria buscar você no mundo. E eis me aqui, buscando uma alma para o meu corpo vazio. O verde metafórico dos meus olhos está negro, estilo L’humanité. E eu permaneço vazia, morta. Se pelo menos eu encontrasse esse elixir. Mas encontrei algo provisório, e que me toma carinho. Estou apaixonada pelo indeterminado, e amanhã? ­– eu não sei. Mas isso me faz bem, mesmo quando estou morta de vontade, estou sentindo meu coração batendo. Eu não sei o que é e nem se é realmente provisório ou eterno, por isso o alcunhei de indeterminado. Recomeçar está me trazendo de volta à vida e isso não requer explicações.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Cartão Postal


O dia tinha tudo para ser escuro. Uma cola de manhã e tudo resolvido: algumas poucas preocupações deram uma volta. Mas o gosto de ferro ainda estava na minha boca e nenhum álcool dissolveria isso de mim. Migrei minha mente, e ela se deixou voar, e voou. Estava pairando sobre mim mesma, e isso de certa forma foi bom. Minha liberdade genérica me acalma, assim como os contos lúdicos. E relaxar hoje em dia não se serve nem aos merecedores e a mim. Eu não sou quem vai te fazer concordar.
O dia abriu, mas de uma forma tão clara que só fez piorar minha dor de cabeça, e meu santo remédio me esperava em casa. Mas quando cheguei fui apunhalada pelo sono e perdi uma tarde. Eu queria perder todos os dias, e quem sabe acordar em Paris. Mas ela ainda me espera, e eu espero pelo dia seguinte. E quem sabe ela não me venha de bandeja, e uma camisa-brinde. A guardaria no bolso quando voltasse. Daria de presente para qualquer desafortunado que sonha com ela, e espera passar os dias. Não pela superioridade de dizer “eu estive onde quis”, só para dizer que eu era uma desafortunada e que só bastou uma chance da vida me olhar com bons olhos e eu sorrir para ela.
Ela ainda não me olhou assim, ou soube disfarçar. Mas eu sorrio para ela, vai ver me note. Somos tantos e os ares de cartão postal não são entregues a todos na hora que ditamos necessário. Minha dor de cabeça pode nunca passar, mas que seja mal físico. Um problema emocional não se resolve apenas com um descanso. Descansaria agora, eu e uma xícara de chá, mas o tempo me pressiona contra os planos. Talvez eu não seja uma merecedora, mas ainda estarei sorrindo por ela. E me deixarei migrar, voar.